Bar do Museu Clube da Esquina – 08/10/2020
FONTE: LIVRO DE MARILTON BORGES – MEMÓRIAS DA NOITE -2001 EDITORA ARMAZÉM DE IDÉIAS
16.10.96
Tido e havido como um dos mais talentosos violonistas e guitarristas de sua geração, o professor Hilário brilhou durante muitos anos como suporte harmônico da banda de Gilberto Santana, outro grande craque da noite mineira dos anos 50,60 e 70. Hilário requisitadíssimo com aulas de violão, ministradas, principalmente, aos jovens da alta classe média de BH que, maravilhados com o balanço e o virtuosismo do professor, sonhavam em repeti-lo nos intrincados e dissonantes acordes da bossa-nova.
Acontece que, numa época de vacas magras, o professor resolveu reforçar seu orçamento e, para tal, entrou numa de arrendar o bar do Clube Palmeiras, um dos mais tradicionais da cidade e local comprovado estatisticamente como o de maior concentração de torcedores do América, por metro quadrado, do planeta.
Mais habituada aos bemóis e sustenidos do que propriamente a débitos e créditos, logo nos primeiros dias a direção do clube e o próprio professor chegaram à conclusão de que, dificilmente, o empreendimento teria sucesso, pela sucessão de fatos inusitados e acontecidos, sendo que o que passo a narrar agora é apenas um pequeno exemplo.
Numa bela noite de sexta-feira, o professor promoveu no bar do clube uma grande seresta, da qual participaram grandes especialistas da matéria como Celso Garcia, Leo Belico, Delphino Santa Rosa e Gilberto Santana, além, é claro, do próprio anfitrião. Como é de praxe nestas ocasiões, a cantoria e o velho líquido correram paralelos até a madrugada, no embalo de antigos sucessos de Orlando Silva e Sílvio Caldas.
Fim de festa, lá pelas tantas, o professor, na sua condição de arrendatário do bar e, nesta altura, também consumidor, achou por bem, encerradas as atividades, apagar as luzes e demais aparelhos elétricos do estabe3lecimento. Feito isso, correu para sua residência para um pequeno repouso, pois era certo que, dali a poucas horas daquela quente madrugada de verão, o clube estaria repleto de associados e atletas de fim de semana, ávidos por consumir tudo o que o bar do professor Hilário lhes pudesse oferecer.
Nove da manhã, sol já a pino e lá estava o professor atrás do balcão, de volta ao trabalho e com os olhos vermelhos denunciando a noitada recente. Com sua simplicidade e simpatia habituais, recebe a sua primeira cliente, uma senhora em traje de banho, levando duas crianças pela mão.
-Professor Hilário, tem picolé?
Só aí o nosso herói se deu conta de que a pressa de ir pra casa descansar, aliada aos golinhos tomados em profusão, haviam ocasionado uma catástrofe: ele desligara também o freezer, onde pauzinhos de picolés boiavam sobre uma multicolorida sopa de morango, coco, baunilha, flocos, chocolate, etc… Foi então que surgiu sua resposta histórica, jóia rarada presença de espírito e da sabedoria popular: Madame… tem e não tem.
E encerrou o assunto, com um largo sorriso.