Bar do Museu Clube da Esquina – 27/08/2020
FONTE: LIVRO DE MARILTON BORGES – MEMÓRIAS DA NOITE -2001 EDITORA ARMAZÉM DE IDÉIAS
Lá vem ele descendo a ladeira, do mesmo jeito que fazia há pelo menos 20 anos. Ou seja, com as eternas pernas trôpegas. O inconfundível andar em ziguezague e olhar perdido num ponto qualquer do espaço, sabe lá Deus qual.
Se um autor à procura de tipos desse uma passada pelo meu bairro, encontraria aqui certamente um manancial inesgotável de figuras, singelas em sua maioria, na aparência exterior, mas ricas, todas elas, naqueles ingredientes básicos que retratam, com toda a sua diversidade de matizes e contornos, o chamado brasileiro comum.
Esse cara, de uma maneira especial, é uma destas figuras. Já passou dos 40, mas me lembro dele aos 20, quase desta mesma maneira. Poucas rugas no rosto claro, um ou outro fio branco nos cabelos louros – não aparentaria a idade que tem se ainda tivesse os dentes, quase todos quebrados em virtude dos tombos, incontáveis, tantos quanto as inúmeras cachaças tomadas ao longo de todos estes anos.
Quais serão os motivos que levam uma pessoa a beber até se acabar? Insucessos amorosos, família complicada, desemprego e más companhias podem ser alguns dos ingredientes usados como justificativa. Poucos seres humanos poderão se gabar, entretanto, de nunca ter curtido uma dor-de-cotovelo, não ter tido problemas familiares, não ter ficado desempregado ou não ter nas suas relações um ou outro amigo de vida torta. E nem por isso as pessoas entram de cara no álcool, como este meu companheiro.
Achar é uma maneira ótima de opinar sobre qualquer questão sem ser conclusivo. Ao longo deste raciocínio, acho que, no fundo do coração de cada um destes bebuns, está um ser humano infinitamente mais sensível do que a maioria de nós, pobres e comuns mortais. Foi na bebida que eles encontraram a forma exata de verbalizar, para dentro do próprio peito, aquilo que nós outros conseguimos extravasar, de maneiras variadas, dentro dos parâmetros que a sociedade define como “normais”. Mas, o que é normal? Será que só o que é socialmente aceitável e certo? Brigar por melhor “status” fazendo da cabeça do seu semelhante mais próximo a escada ideal para atingir este objetivo, seria uma forma correta e normal de encarar a vida? O carro do ano e o celular na cintura nos fazem melhores do que os outros? Ser médico, jornalista, juiz, engenheiro ou deputado é mais importante do que ser pedreiro, segurança, garçom ou músico, ou será que cada um dos inseridos nestas categorias profissionais cumpre com fidelidade seu necessário papel nesta sociedade cheia de rótulos e diplomas?
Lá vai ele descendo a ladeira. Não sei se a da vida ou apenas esta da rua onde moro. O que será que, há tantos anos, está a implodir seu desgastado coração? Só ele sabe.
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