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A grande saga do Rosa

22/01/2020  – Bar do Museu Clube da Esquina

A grande saga do Rosa

Não é o caminho, é a caminhada; ensina João Guimarães Rosa na voz do Tatarãna. O caminho está lá, no sertão infindo. A caminhada não, essa se dá dentro da gente. Muitos já passaram e vão passar por ele, poucos vivenciaram o que Guimarães captou naquele trajeto de 240 km, desde a partida com a lendária comitiva da improvável fazenda Sirga, região da represa de Três Marias, centro-norte mineiro, à chegada ao imponderável, na fazenda São Francisco, região de Araçaí, porto do que não existiu. Era maio do distante ano de 1952.

Durante dez dias, Guimarães Rosa montado no lombo da mula Balalaika percorreu ao lado de dezoito vaqueiros um percurso inusitado, cerrado mineiro adentro, onde adormecem nas veredas as coisas que existem e não tem nome, o sertão dentro e profundo, o infinito materializado. Naquela inesperada viagem, alguns reis a cavalo ao seu lado, como o mago Manuelzão – o capataz; Bindóia – o tocador de berrante e Zito – o cozinheiro.

João Guimarães Rosa foi mais um, guiando a boiada de cento e oitenta bois para uma viagem cósmica, translúcida, aquela que se vê e não se pega, aquela que está além, mas faz parte da paisagem. Hoje o caminho é roteiro turístico, institucionalizado, ou seja, existe para não ser. O que Rosa buscou foi um não caminho, para dar nome ao que existia, se sabia, mas não se traduzia. Só os gênios têm esse poder, porque chegam antes da divindade e decifram o grande milagre da vida, que só ocorre quando ela não se faz dividida.

Foi lá, no meio das árvores que se contorcem na dor de existir e não quebram, nas flores que brotam da casca dura e oca das cigarras, que ele sentenciou: “nada está terminado”. Imagino que ele assistia às primaveras repetidas nas flores depois de abril, quando tudo é silêncio e distância. A travessia é isso. O fim no começo. O que se revela depois do caminho trilhado, quando nada do que se buscou foi encontrado. A caminhada é apenas isso, um reencontrar renovado com o inesperado, esse deus de pequenos milagres que só existe no que não foi pensado, no que não está definido.

O que hoje lá vive é apenas o vento que passou e não pousou, o ‘fantasma desolado’, o que não vive aqui e nem lá, mas enche nossa vida de fé e esperança. Lá, exaustos de tanto sol, Riobaldo e Diadorim encontraram abrigo no sem fim, nas dobras da história, e se amam no cio das noites sem lua. O romance deles – que hoje nos pertence – está lá, inteiro, de janeiro a janeiro, declarado e estendido sobre a paisagem, palmilhado nos olhos de Diadorim que de tanto ver o céu, tornou-se jardim. Por isso, não o podemos ver, muito menos sentir, apenas ouvir nas madrugadas de ventania suas vozes que se fundem com a aurora, para renascer no amanhecer de outra história, essa que não está escrita e grita dentro de todos nós, que amamos o universo do Rosa, o encantado.

Talvez sua maior obra seja essa; ser sem estar. Estar em tudo e não se encontrar em nenhum lugar. Com a graça de Deus. Travessia.

Petrônio Souza

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A João Guimarães Rosa (1966), filme de Marcello G. Tassara | foto: Maureen Bisilliat

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