07/07/2020 Bar do Museu Clube da Esquina
FONTE: LIVRO DE MARILTON BORGES – MEMÓRIAS DA NOITE – 2001 EDITORA ARMAZÉM DE IDÉIAS
AS DESVENTURAS DE JANJÃO
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Uma das situações mais engraçadas das diversas que ocorrem no meio musical é aquela que acontece quando o pessoal entra numa de botar apelido em pessoas, músicas e até em instrumentos. Nestes deliciosos momentos, a irreverência corre solta, as gargalhadas são inevitáveis, sendo que toda a criatividade possível e muita esportiva, principalmente, são ingredientes indispensáveis para que se possa participar deste tipo de brincadeira. Nos dias de hoje, o baterista Neném e o contrabaixista Paulinho Carvalho, grandes instrumentistas mineiros e respeitadíssimos em todo o País, são tidos como nossos dois maiores “experts” na arte de apelidar tudo o que caia sob o raio de ação de seus olhos observadores e de suas línguas ferinas. “Mamãe”, “Caldeirão de Feijoada”, “Bracinho”, “Lingueta” e “Carranca”, entre outros, são algumas das vítimas da dupla, que, por motivo de segurança (minha, principalmente), não terão divulgados aqui seus verdadeiros nomes.
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Com relação ao nosso herói de hoje, vai dar para identificar numa boa. Janjão teve seus dias de glória por volta dos anos 60/70, pilotado pelo hoje artista plástico M. A. Moreira e na época um dos músicos da Banda Gemini VII, de gloriosa e honrada memória. Janjão era um vibrafone. Ganhou o apelido em virtude de suas pernas cambotas, semelhantes às de um antigo ponta-esquerda, do mesmo nome, que brilhava naquela época na várzea de Beagá. O que é um vibrafone? Trata-se de um tipo de marimba, só que mais metido a besta, desde que dotado de motores que acionam e fazem girar pequenas arruelas, localizadas sob cada uma de suas teclas de metal, semelhantes às de um piano, só que bem maiores e bem mais robustas, feitas de aço inoxidável. Esta pequena parafernália ficava apoiada sobre uma armação de metal e madeira, que por sua vez se apoiava em quatro pernas, com rodas nas pontas. Complicado? Mais ou menos. A complicação maior acontecia na hora de transportar o desmontado e pesadíssimo Janjão e por ocasião de sua montagem, pra lá de intrincada. Tocar Janjão era uma arte. Para que a engenhoca produzisse sons, era necessária a utilização de baquetas de feltro, que, em contato com as teclas de metal, produziam sons belíssimos, ainda que, dependendo da força aplicada, fizessem Janjão pender perigosamente para a direita, se tocadas as notas agudas, ou para a esquerda, se feridas as notas mais graves. Esse estranho movimento pendular não é uma característica dos vibrafones e só acontecia com o pobre Janjão devido à falta de carinho do folclórico proprietário no seu manuseio, o que tornava, de certa forma, até previsível a ocorrência, a qualquer hora, de uma catástrofe qualquer.
Foi numa festa junina do Sparta, tradicional clube da Zona Noroeste de Beagá, que tudo aconteceu. O Gemini VII ficou instalado no vão destinado a imprensa, no meio e no alto das arquibancadas do ginásio do clube, enquanto o baile propriamente dito rolava na quadra, alguns metros abaixo, devidamente taqueada e ótima, segundo os entendidos, para o deslizar farfalhante dos pares dançantes presentes.
Numa nota mais aguda desferida com muita força pelo entusiasmado Moreira, Janjão suncubiu. Depois de tantos anos de trabalho e descaso, o velho vibrafone desceu arquibancada abaixo, num barulhão ensurdecedor e deixando no seu rastro teclas, motor, arruelas, rodas e parafusos, indo parar seus restos mortais aos pés dos assustados bailarinos, que, com inteira razão, aplicaram uma sonora vaia ao conjunto.
Pelo que me é dado lembrar, foi a última vez que toquei no Sparta.
Muito bacana o texto, até me fez procurar na internet informações sobre o vibrafone, que achei um instrumento com uma sonoridade muito bonita! Mas não entendi a relação com a foto do Pastel de Angu. Esse na foto é o original, em Santa Efigênia, não é? Qual a correlação?
Parabéns pelo site!
ótimo conteúdo.
Desejo-lhes sucesso.