COM A MACACA
05.02.97
02/07/2020 Bar do Museu Clube da Esquina
FONTE: LIVRO DE MARILTON BORGES – MEMÓRIAS DA NOITE – 2001 EDITORA ARMAZÉM DE IDÉIAS
A Gina Lollobrigida vem voando pelo ar, e depois de um salto triplo, pousa suavemente nos meus braços, firmes como rocha, já que estou ali de cabeça pra baixo, no trapézio, como aparador, exatamente para isto.
Essa cena de um sonho antigo, onde sempre me confundo, ora sendo Tony Curtis, ora sendo Burt Lancaster, tem a ver com a fantasia de infância de todos aqueles que, como eu, curtiram o circo e os filmes a respeito que Hollywood, em determinada época, produziu às pencas.
Saindo do sonho para a realidade, houve um tempo em que, aqui em Beagá, as grandes companhias circenses se apresentavam quase que o ano todo, fato hoje mais raro, talvez em virtude da falta de grandes espaços em terrenos propícios para sua montagem.
Ao contrário da era moderna, onde as gravações digitais comandam o espetáculo, estas companhias traziam para cá um maestro e suas partituras, alguns músicos de base, tais como o baterista, o contrabaixista e um instrumentista de harmonia, que podia ser um guitarrista ou um pianista. O pessoal dos instrumentos de sopro era recrutado aqui mesmo, sendo que muita gente boa criou família com o cachê que pintava destas apresentações, que, embora minguado, era certo.
Edgard do Piston é um destes milhares de músicos talentosos e praticamente anônimos que, de “bico em bico” e de trabalho em trabalho, constroem com coragem e talento a história musical desta terra. Simpático e brincalhão, com um sorriso quase que permanente e natural devido aos seus dentes saltados pra fora da boca, fanho de nascença e músico da antiga Banda da Polícia Civil – que, extinta, teve a maioria dos integrantes transformados em detetives -, Edgard era um daqueles que faziam parte do elenco da maioria dos circos que aqui aportavam.
Nos finais de semana, todo circo que se preze apresenta diversos espetáculos, sendo, normalmente, um de manhã, dois à tarde, e mais um á noite, fato que é recebido com a maior alegria por quem assiste e principalmente por quem fatura o cachê por apresentação. Só que se tornava absolutamente impossível, para estes trabalhadores, digamos, autônomos, dar um pulinho em casa para as refeições e voltar para a batalha.
A solução encontrada pela maioria do pessoal era pedir à patroa para fazer uns sanduíches em casa e segurar a barra até o final da noite, já que as refeições servidas pela companhia eram descontadas do pagamento sem dó nem piedade. O máximo que os músicos se permitiam era comprar um refrigerante a peso de ouro e olha lá.
Num intervalo entre uma função e outra, Edgard, morto de cansaço e fome, se encostou ao lado de uma jaula para degustar um delicioso sanduíche preparado em casa e um caríssimo refrigerante. Foi quando se sentiu sendo arrebatada de suas mãos a garrafa, que, num piscar de olhos, já estava sendo sorvida com sofreguidão pelo ocupante da jaula.
O que nosso herói não sabia era que Chica, uma bela macaca chimpanzé, era viciada em guaraná e, segundo soube depois, não trocava uma golada deste refrigerante nem por um suculento cacho de bananas.
Revoltadíssimos, Edgard tentou de todas as maneiras tomar a garrafa das mãos de Chica, o que não surtiu o menor resultado, para vibração da galera, que nesta altura se avolumava em torno do incidente.
Envergonhado e ainda possesso de raiva, o músico tentou a última cartada para reaver seu precioso líquido: tirou pra fora seu distintivo de detetive da Polícia Civil e deu voz de prisão à macaca.
Não se sabe quem deu mais risadas diante desta atitude. Se a pequena multidão, feliz por assistir a este número circense de graça, ou se a já aprisionada Chica, a macaca viciada em guaraná