BAR DO MUSEU CLUBE DA ESQUINA – 27/08/2020
FONTE: LIVRO DE MARILTON BORGES – MEMÓRIAS DA NOITE -2001 EDITORA ARMAZÉM DE IDÉIAS
Cada casa noturna tem um personagem típico, aquele frequentador assíduo que, pelas suas características próprias e pessoais, acaba se tornando quase que um símbolo do estacionamento. Nestes mais de trinta anos de profissão, não houve lugar onde tenha encontrado este tipo de cliente que, dependendo do espaço a ele oferecido pelo proprietário, atua quase como um sócio da casa, dando palpites, oferecendo sugestões e, em alguns casos, tomando parte até de decisões importantes tais como admitir ou demitir pessoas. Se, por um lado, a figura é até benéfica para a direção da empresa, eis que, na prática, transforma-se num fiscal que paga do seu bolso para exercer tal função; por outro, não deixa de ser um estorvo para aquele empresário que quer administrar seu negócio da forma que melhor lhe aprouver, mas que em momento algum quer e pode esquecer a velha máxima que ensina que “o freguês tem sempre razão”.
Como antigo prestador de serviços noturnos, confesso não ter muita simpatia pelo tipo, até porque, em alguns raros casos e todos eles ocorridos logo no meu início de carreira, já tive que redirecionar quase que a totalidade de um repertório musical, tudo em função de um ou outro destes palpiteiros, sob pena de perder o emprego e ter que tocar minha viola em outra freguesia. Para ser bem franco, também nos dias de hoje tenho sido obrigado a calçar as sandálias da paciência e da humildade para explicar a um ou outro cliente menos avisado que os meus cabelos brancos não são um sinal de obrigatoriedade para tocar, o tempo todo, bolerões, sambinhas, serestas e assemelhados. Mas que este tipo de cobrança me aborrece profundamente, disto eu não tenho a menor dúvida.
Em meados dos anos 70, o Agostinho Baeta comprou o BBCircus e me chamou para animar a festa. A casa ficava ali no início da João Pinheiro, bem ao lado da Associação Médica, e o trabalho era bem pesado, um baile por noite. Tocava-se de tudo um pouco e o local ficava superlotado, diariamente, sendo que, no meio daquela multidão, um cidadão se destacava. Devia ter uns 60 e poucos anos. Muito magro e pálido, com olheiras escuras e proeminentes, cabelo liso e cuidadosamente penteado a poder de muita Glostora ou Gumex, sei lá, e mais para o grisalho do que para o louro, que parecia ter sido a cor anterior, em todos os nossos intervalos o camarada chegava junto à nossa equipe. Com um forte sotaque nordestino e um certo exagero na pronúncia dos “esses”, ficou amigo da turma, ainda que, uma vez ou outra, de forma simpática e cuidadosa, botasse reparo no repertório e na nossa maneira de interpretar essa ou aquela música. Como nunca nos disse seu nome e nunca isto lhe foi perguntado, era chamado pela turma de Fantasminha, apelido que ele aceitava numa boa, entre brincadeiras e risadas.
Na nossa temporada de quase dois anos no BBCircus, o Fantasminha esteve presente em quase todas as nossas apresentações e houve até uma noite em que apareceu mais tarde, fugido do hospital onde, segundo ele, estava sendo torturado através de incômodas sessões de hemodiálise, fora as auto-aplicações de insulina que ele era obrigado a se impor, por prescrição médica, diariamente.
Assim como surgiu na nossa vida, desapareceu. Provavelmente terá se tornado uma estrela e é a ele que recorro, nas minhas preces, quando estou para perder a calma com os que, de maneira mal educada e deselegante, não concordam com o tipo de música que, eventualmente, eu esteja executando.
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