INTERLÚDIO, de Pablo Castro
05/02/2020 Bar do Museu Clube da Esquina
Seguindo minha série de resenhas sobre minhas canções, vai aí Interlúdio, que a querida Juliana Perdigão cantou no meu disco Anterior. Essa canção é a tentativa de escrever um samba-canção sinuoso, com voltas e volteios, modulações e resoluções que costumam acompanhar aquela confissão de amor confusa, lacônica, indireta, do sujeito que se abre já na resignação de que seu desejo não será correspondido, como uma condição kármica da condição de amante, aquele que ama.
Lembro que o mestre Maurício Ribeiro me ajudou a dar cores mais cromáticas à harmonia, mexendo numa notinha aqui, outra ali. O grande flautista Daniel Pantoja improvisou belamente um solo na flauta em sol.
A letra me tomou meses na tentativa de apurar as referências teatrais e literárias tomadas como metáfora da tentativa de declaração de amor que nunca se dá, apenas ali mesmo na própria letra se afirma e se nega o que se quer. Esse efeito na verdade é um clássico do gênero, tendo eu apenas me exercitado em tentar atingi-lo.
Mas como costuma acontecer nas minhas letras, é baseado, em alguma medida, em fatos reais. A vantagem de ser compositor é que mesmo a frustração pode ser um ótimo ingrediente para a criação.
O tema do amor platônico caiu em desuso mas ainda dá muito pano pra manga.
INTERLÚDIO
Ainda que as palavras dos poemas
Que não fiz se encontrassem
Na memória do teu sonho
Estarias num cinema
Distraída em outra cena mais feliz
Mesmo encadeada em verso e rima
Minha fala inspirada
Não responderias nada
Teu olhar desviaria
Linha longa da novela que escrevi
E se por ventura eu decifrasse
Teu monólogo secreto
Teu ensaio fosse aberto
E no escuro eu adentrasse
Um vazio em tua face que sorri
E se inutilmente conseguisse
Sem compasso ou melodia
Desenhar como num quadro
Um amor como utopia
Tu então suspirarias para mim
Afinal, talvez me ouvisse por um triz
Tão fugás como os poemas que nem fiz.