Bar do Museu Clube da Esquina – 10/10/2021
FONTE: LIVRO DE MARILTON BORGES – MEMÓRIAS DA NOITE -2001 EDITORA ARMAZÉM DE IDÉIAS
Bem no início dos anos 70, a maioria dos formadores do Gemini VII achou por bem tentar a vida no Rio de Janeiro. Ainda que aqui em Minas a gente marcasse a presença da banda em alguns acontecimentos importantes, era lá que as coisas ocorriam de verdade, principalmente para jovens músicos que almejavam um pouco mais do que tocar em todas as festinhas elegantes realizadas neste lado de cá das montanhas. É reconfortante, por outro lado, constatar que, hoje, apesar de ainda estarem localizados no Rio e em São Paulo os estúdios não só das principais companhias de discos como também os das grandes redes de televisão, já é possível grupos daqui, como o Skank e o Jota Quest, alcançarem fama e sucesso mesmo morando em Beagá. Afinal de contas, por mais maravilhosa que seja qualquer cidade deste imenso País, é incomparavelmente mais tranquilo viver nesta nossa bela fazenda iluminada, onde a vida é mais barata, a violência está longe de parecer, como lá um prenúncio de uma guerra civil, fora o prazeroso fato de encontrar um rosto conhecido em cada esquina que se dobre ou em cada boteco em que se entre.
Chegando ao Rio, fomos contratados, de cara, para atuar no Sambão & Sinhá, uma casa de espetáculos localizada em Copacabana, muito chique e especializada em montar espetáculos de samba (é claro!), só que para turistas estrangeiros. A fórmula era simples e funcionava como uma máquina azeitada para os fins a que se propunha: uma meia dúzia de percussionistas de escolas de samba, um monte de mulatas vestindo reduzidos e cintilantes biquínis, cheias de penduricalhos exóticos na cabeça, e mais um repertório de sambas que oscilava entre os de enredos mais conhecidos e outros mais antigos, mas também pra lá de manjados. Nossa turma ficava lá num cantinho escuro do palco, fazendo pano de fundo e o acompanhamento musical para aquela zorra toda, que tinha como figura central e mestre-de-cerimônias um dos sócios da casa e também mineiro, o cantor Ivon Curi.
Eram dois shows por noite e, no intervalo entre um e outro, corríamos todos para um botequim de um português, que ficava bem ao lado do nosso local de trabalho, e era lá que a gente curtia as saudades de Beagá, fazendo descer, uma após outra, saborosas e geladas cervejas. Foi neste boteco que, numa determinada noite, tive um dos maiores choques da minha vida.
Barulhentos, chegando à beira da inconveniência, como é comum acontecer em mesas de bar onde a predominância seja de jovens, ainda mais se estiverem um pouco mais “alegres” como era o nosso caso, tomamos um baita susto quando uma senhora, muito bem vestida mais visivelmente alcoolizada, interrompeu nossa algazarra para, em altos brados, dirigir pesados insultos a todos os participantes da mesa. Ninguém entendeu nada, até porque, constatou-se rapidamente, nenhum dos presentes lhe havia dirigido a palavra e, o que é pior, ninguém sabia quem era aquela irritada senhora. Os palavrões por ela gritados não condiziam com a elegância e o apuro de suas vestes, sendo que, perplexos pelo inusitado da cena, não tivemos outra alternativa senão, cortada daquela maneira abrupta a nossa etílica alegria, pedir a conta e tentar voltar para o trabalho da melhor maneira possível, ainda que tivéssemos uns 20 minutos de prazo para o início da nossa segunda apresentação da noite.
O dono da casa veio em nosso socorro e explicou que aquela senhora morava num prédio de apartamentos logo em frente e que era comum nela aquele tipo de rompante, a troco de nada, principalmente se percebesse que estava ali reunido um grupo de músicos. Fora uma grande cantora de música popular e o ocaso de sua fulgurante carreira, aliado ao sofrimento do dia-a-dia, ao lado de uma irmã doente e também um grande nome da música brasileira, ocasionavam nela aquele tipo de comportamento.
Naquele momento, ainda bem jovem, tomei conhecimento do quanto é efêmera a fama, de como é curta a memória do grande e respeitável público e de como o esquecimento pode maltratar um alma sensível. Para mim, entretanto, mais do que este marcante incidente de percurso, estarão sempre e predominantemente presentes, em minha mente, as fotos, os filmes, os discos, a voz e os sucessos daquela senhora, uma grande dama e estrela que o Brasil conheceu como Dircinha Batista.