12/09/2019 – O Tempo
Não foi fácil a decisão de “expulsar” Lô Borges do Bar do Museu do Clube da Esquina, mas o garçom Dirceu não teve outra alternativa. “Já passava das três da manhã e todo mundo precisava trabalhar no dia seguinte, se deixasse eles ficariam até o sol raiar”, conta, aos risos, Virgínia Câmara, gerente do estabelecimento que, desde o dia 1º de dezembro de 2015 passou a ocupar o espaço do antigo Bar Godofrêdo, no número 738 da rua Paraisópolis, bairro Santa Tereza.
“As pessoas começaram a ir para o lado de fora e não voltavam mais. Quando fomos ver, lá estava o Lô, com seu violão, cercado de gente, tocando todos os sucessos da carreira dele”, conta Virgínia.
Referência em Musica
O Bar do Museu Clube da Esquina abre suas portas de terça a domingo, a partir das 19h30 nos dias úteis e ao meio-dia nos fins de semana. Embora não seja fixa, a programação segue uma linha conduzida pela variedade de gêneros que influenciaram o Clube da Esquina, casos do samba, do choro, da MPB e até dos Beatles. Com uma área aberta e outra fechada, o ambiente é permeado por fotografias e quadros em alusão ao movimento capitaneado por Milton Nascimento e sua trupe nos anos 70.
Tem de imagens com Elis Regina a encontros entre Wagner Tiso, Joyce e Fernando Brant. Além disso, TVs exibem canções relativas ao estilo. Tudo lembra a história do Clube, inclusive o cardápio, cujos pratos ganharam nomes como “Trem Azul”, “Beijo Partido” e “Pastéis de Bituca”, entre outros.
A grande atração, no entanto, é a própria música. Com um palco baixo e próximo à plateia, fixo no centro da área coberta, e outro móvel, artistas da capital se apresentam com frequência no local. Os mais conhecidos, como o próprio Lô, Toninho Horta, Beto Guedes e Tavinho Moura, têm, por hábito, aparecer de surpresa e dar uma canja. “O único bar onde eles tocam é aqui. Esse palco tem uma missão e muita magia. Quando anoitece, você logo sente essa transformação. Entre os músicos já roda na cidade que aqui só toca música da melhor qualidade”, atesta Virgínia.
Gerações
Flávio Venturini, Marina Machado, Márcio Borges, Titane, Murilo Antunes, Nivaldo Ornelas, Marilton Borges, Juarez Moreira, Célio Balona, Geraldo Vianna e Chico Amaral já passaram por lá com seu som. O músico Flávio Henrique, falecido recentemente, era outra figurinha carimbada. “Ele sempre nos deu muita força, desde o início. Inclusive chegou a fazer uma transmissão ao vivo da rádio Inconfidência aqui no bar”, relembra Virgínia.
O compositor Nelson Angelo, 68, que participou das gravações dos discos “Clube da Esquina” (1972) e “Clube da Esquina 2” (1978), esteve presente na reinauguração do estabelecimento.
“Vejo como um ponto crucial, principalmente para os jovens da cidade que foram influenciados por nós. O Clube da Esquina foi um encontro de músicos que formou costumes. Não havia, antes disso, uma música mineira pós-folclore e folia de reis”, atesta Angelo. O músico Tavito, outro nome expressivo do movimento, endossa as palavras.
“Estive lá no bar duas vezes, e o que acho é que BH é uma cidade extremamente musical. Quando eu era mais novo, os músicos ficavam aí, não iam para Rio e São Paulo. Os heróis estavam todos na cidade, a coisa fervia. Ter um espaço assim pode ajudar as pessoas de talento a permanecerem”, acredita Tavito.
Nomes da nova geração como a cantora Bárbara Barcellos (que acompanhou Milton na turnê “Semente da Terra” em 2017) e Bianca Luar, que possui um trabalho dedicado ao público infantil, escolheram a casa para lançar seus álbuns. Outra atração do local é o Bloco da Esquina, que executa canções do Clube em mais de 15 ritmos diferentes, como frevo, xote, samba, congo, choro e ijexá. Renato Muringa, um dos idealizadores, ressalta a possibilidade do encontro com seus pares.
“A música mineira aqui é muito estampada, tornou-se uma referência para gente do Brasil inteiro, que sabe que aqui vai encontrar pessoas ligadas à história do Clube da Esquina”, afiança Muringa. Cantora e compositora, Carol Figueiredo referenda a opinião. “É um lugar que tem visibilidade nacional, onde todo mundo quer tocar, porque o público vem para ouvir música e trata os artistas com respeito”.