BAR DO MUSEU CLUBE DA ESQUINA – 27/08/2020
FONTE: LIVRO DE MARILTON BORGES – MEMÓRIAS DA NOITE -2001 EDITORA ARMAZÉM DE IDÉIAS
Fio Maravilha a história de uma música
Já tentei morar no Rio de Janeiro quase uma dezena de vezes. Não é que eu tenha nada contra ou a favor da Cidade Maravilhosa, mas no embalo da onda que levou toda a minha geração pra lá, tentei porque tentei me estabelecer no lugar onde estavam as principais gravadoras do País e onde moravam nossos artistas mais importantes.
Mas a solidão quase inexplicável dentro da multidão, aliada à saudade insuportável de Santa Tereza, foram fatores decisivos que, em todas as tentativas, me empurraram de volta à base, com o rabo entre as pernas, mas feliz por me sentir verdadeiramente em casa. Ainda que o preço pago por este tipo de atitude tenha sido um tanto salgado, vez que gente boa, colonizadamente, faça uma associação de idéias colocando nela a palavra “fracasso”. Eu, por outro lado, prefiro ficar com “coragem” como definição mais correta para o meu retorno às origens.
Numa das vezes, trabalhei na Boate Number One, em Ipanema, no conjunto musical do pianista Osmar Milito, onde eu tocava violão e cantava, além de fazer parte do coro de apoio de Maria Alcina, uma exótica cantora mineira de atributos vocais discutíveis, mas dona de uma avassaladora presença de palco.
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A boate era frequentada, via de regra, pela grãfinagem local e por executivos e atores de novela das grandes redes de televisão, sendo que os finais de noite eram apoteóticos, pois conhecidos cantores e compositores, encerradas as suas apresentações em outros locais, corriam para “nossa” casa noturna, onde, em “canjas” memoráveis, varavam a madrugada interpretando canções que normalmente não faziam parte do roteiro inflexível de seus próprios shows.
Um dos “canjeiros” mais habituais, o Jorge naquele tempo Ben, hoje Benjor, sei lá por quê, e que já era um nome consagrado da MPB, só faltava fazer o teto cair, quando aparecia, tamanha a energia de suas apresentações. Numa determinada noite, mandou uma inédita, uma tal de Fio Maravilha, que homenageava o camisa 9 do Flamengo, na época, especialista em fazer gols da placa, de preferência.
Imediatamente um “big boss” de uma popular rede de televisão, flamenguista como o Jorge, sugeriu que a música fosse inscrita no Festival Internacional da Canção, dada a histeria coletiva que se apossou de todo público presente, tão logo iniciados os primeiros acordes da melodia.
Cavalheiro e educado, como poucos, o Babolina topou a proposta, desde que a música fosse defendida no Festival pela Maria Alcina, até então muito conhecida na noite do Rio, mas completamente anônima para o resto do Brasil. E não deu outra. Capitaneada por um grande craque, o maestro Severino Filho, arranjador e integrante d’Os Cariocas, lá se foi a equipe do Number One para o badalado Festival Internacional da Canção, acompanhando a futura estrela, rumo aos degraus mais altos da fama.
É inenarrável a sensação de ocupar um palco em pleno Maracanãzinho, no coração da Zona Norte do Rio, e ainda por cima, tecendo loas ao Flamengo. Daquele estádio repleto, colorido de vermelho e preto, um detalhe até hoje não sai da minha memória: o urro ensurdecedor da galera, ecoando de forma amplificada em muitos decibéis pela gigantesca estrutura coberta de concreto.
Evidentemente, ganhamos com facilidade a fase nacional e a internacional também, até porque jurados de festival têm família e amor à vida e votar contra, quem haveria de?
Apesar da notoriedade momentânea, com direito a capa de revistas e autógrafos na praia, foi a partir dali que comecei a entender melhor os intrincados meandros que regem a caminhada de qualquer artista para o sucesso.
Toda vez que vejo a Maria Alcina como jurada num programa de calouros qualquer, ou tenho notícias de que o Fio Maravilha ganha a vida entregando pizzas, nos Estados Unidos, reflito sobre isto. Não sei se com nostalgia mas, certamente, com uma ponta de amargura.
Interessante narrativa. Muito bom!!!
Aqui é a Amanda da Silva, gostei muito do seu artigo tem
muito conteúdo de valor, parabéns nota 10.
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