Roteiros Turísticos

NOS ÁUREOS TEMPOS DO PRAÇA SETE

    Danilo Antonini foi um dos maiores benfeitores da classe musical mineira e, apesar de não ter, tido o seu nome reconhecido pelo grande público, foi uma figura muito importante para o meio, pois sempre fez questão de prestigiar os profissionais da área em todas as casas em que trabalhou, seja como gerente ou como proprietário. Falecido há alguns anos, sua apaixonada atuação na nossa defesa tem feito muita falta nestes tempos bicudos, onde dá para encontrar, com tristeza, detratores até mesmo entre nossos próprios colegas de profissão. Só para exemplificar, numa tarde destas, um certo cantor, e compositor mineiro, com o pretexto de divulgar seu novo CD, usou o microfone de uma determinada emissora de rádio para desprezar, com ares de ser superior, o trabalho daqueles seus companheiros que optaram por trabalhar em casas noturnas, nos bares e bailes da vida. Como este tipo de trabalho ocorre apenas por dois motivos – ou por precisão ou por vocação, e, no meu caso específico, por ambos, é claro que num primeiro momento me senti atingido, ainda que, passado o desapontamento inicial e pensando melhor, percebi ser até compreensível que tais conceitos depreciativo tenham vindo de onde vieram, já que tão provincianos quanto a minúscula cidade de onde o ilustre colega é oriundo (de onde ele nunca deveria ter saído) e, sobretudo, ridículos, tais como a venda dos diversos discos que ele ainda teima em gravar.

    Deixando de lado esta historia de queimar muita vela pra pouco defunto e voltando ao assunto principal, uma das últimas invenções do Danilo teve lugar debaixo do Cine Brasil, bem no coração de Beagá. Concebido originalmente para ser uma simples lanchonete, o espaço foi transformado pelo nosso herói numa minicasa de espetáculos, com um palco muito bom, uma aparelhagem de som razoável e que, com pouco tempo depois de sua inauguração, transformou-se no grande sucesso da noite da Capital.

    Era início dos anos 80 e o Praça 7 – este era o nome da casa – funcionava a todo vapor, a partir das seis da tarde até altas horas da madrugada. Diversas bandas faziam um revezamento ininterrupto, com uma seleção musical de primeira linha, e lá brilharam nomes como os de Lúcia Bosco, Vanessa Andrade, Lu e Celinha, Geraldinho da Guitarra, Rita de Cássia, Ezequiel Lima, Nílton Maravilha, Lincoln Cheib, Tlim Batera, Lúcia Branca, o degas aqui e mais uma outra série de grandes feras da nossa noite. A plateia, bota eclética nisto, era composta na sua essência pelas pessoas das mais diversas classes sociais que trabalhavam, à época, no centro comercial da cidade, patrões e empregados democraticamente irmanados, através da boa música e das cervejas estupidamente geladas servidas no local.

    Foi lá, numa noite qualquer, que um baterista muito amigo meu, o pequenino, robusto e negro Nelsinho “Batatinha”, querendo ajudar, coitado, e nem se tocando que estava enchendo a paciência de toda a minha banda, ficou durante todo o nosso show gesticulando de uma mesa, em frente ao palco dando palpites de toda ordem. Sengundo ele, ora a bateria estava alta; ora meu piano não estava aparecendo; ora o contrabaixo estava muito grave; ora as cantoras estavam desafinando. Tamanha acuidade auditiva era devida, em parte, a umas duas ou três doses daquela que matou o guarda, que o meu jovem amigo, segundo me disseram depois, havia tomado.

    No final de todos os meus trabalhos, tenho o hábito de apresentar ao respeitável público os músicos que tenham, naquela oportunidade, dividido o palco comigo, chamando-os pelo nome e dentificando-os junto com seus respectivos instrumentos. Naquela noite não tive outra alternativa. Depois da apresentação de todos os meus músicos, anunciei ao microfone, apontando para a mesa em frente:

_ E na regência… Nelsinho “Batatinha”…

    O meu amigo reagiu na hora, meio espantado, com um risinho amarelo e falando baixo, mas com as mãos em concha, de uma forma que eu pudesse perceber o que dizia:

_Sua mãe…

    Inspiradíssimo como ele, já que eu também não ficara pra trás e tinha tomado pelo menos uma meia dúzia de alguns providenciais “Cavalinhos” retruquei no microfone e na bucha:

_Senhoras e senhores: uma pequena correção… Na regência; Nelsinho “Batatinha” e mamãe…

    O que bastou para ecoar uma gargalhada geral pelo salão, enquanto eu e meu amigo regente saíamos de lá, dando risadas também, para ingerir mais umas e outras. Bons tempos. Empresários do porte e da sensibilidade do Danilo Antonini, que, no fundo, era o principal agente motivador de tanta descontração, andam fazendo falta ao combalido mercado musical noturno de Beagá, se é que ainda existe espaço para este tipo de empreendimento. Ao Danilão, “In memoriam”, as minhas homenagens.

 

 

 

Bar do Museu Clube da Esquina – 26/07/2021

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